sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A menina, o laço, a caixa e o Velho.


Foi então que eu decidi contar a história da menina do laço verde nos cabelos, sua caixinha de dúvidas e seu velho amigo sábio. Eu, o laço, existia por uma simples razão; era eu quem exercia o papel de não deixar a menina esquecer-se dos seus sonhos e verdades. Eu era o norte pra que ela jamais se perde-se quando estivessem em meio aos seus furacões. O meu sentido de existir era o de cuidar pra que a menina, apesar da caixinha de dúvidas onde as colecionava, não se esquecesse de quem ela era, mas, aquela foi a primeira e a ultima vez que eu não consegui cumprir meu papel.

Eu estava observando a menina como em todas as noites, ali, da cabeceira da cama onde ela me deixava sempre antes de dormir, ela que sempre dormia encolhida, estava inquieta. Percorria todos os cantos da cama em rodopios vertiginosos para mim. Rolava insistentemente sem que conseguisse encontrar uma forma agradável a seu sonho pra que adormecesse. Quando aquela madrugada de insônia já amanhecia, eu pude então ver que os olhos da menina choviam. Seu semblante estava entristecido, ela suspirava repetidas vezes e eu só queria um por que.  Eu quis explicar a ela que apesar de bela quando seu rosto se molhava, ela ficava muito mais formosa com um sorriso colorindo sua expressão, mas eu não podia falar então me contentei em tentar achar uma explicação que me fizesse aceitar o fato dos olhos da menina estar chovendo. Foi então que me lembrei dos últimos dizeres que foram jogados em cima da menina. Me lembrei detalhadamente da raiva que eu senti ao ver a menina ser agredida e eu não poder fazer nada. Não poder defendê-la daqueles espinhos que ela não precisava receber, mas ainda sim fora presenteada, me doeu. Mas afinal, quem precisa de espinhos, quem precisa de dor?

Ao meu lado, dormia barulhenta a caixinha de dúvidas. Ela estava abarrotada daquele artefato nada precioso, e a ressonância de seu sono não permitia que a menina dormisse. Eu quis despertá-la, lhe falar de como ela estava atrapalhando o sono da menina, mas ela ignorou o fato de estar atrapalhando qualquer circunstancia. Desprezava a forma como a menina se sentia, e continuava fora de orbita no seu sono escandaloso. Amanheceu.

Assim que o sol nos deu bom dia, a menina saltou da cama, se banhou, se aprontou e me colocou de volta ao meu lugar, nos seus cabelos. O rosto da menina já não chovia, mas seu semblante ainda era triste, não havia mais tantos suspiros, mas eles ainda existiam em uma escala menor. Eu estava preocupado, a caixinha ainda continuava abarrotada de dúvidas e a menina continuava triste, mas decidiu caminhar. Conforme as ruas se dobravam, as esquinas ficavam pra traz, e o parque passou, eu percebi pra onde os pés da menina estavam nos levando. Aquela rua tinha cheiro de casa limpa, trazia uma tranquilidade como se até estivéssemos fora daquela cidade tão agitada, confesso que eu me sentia bem ali. Finalmente chegamos ao nosso destino, então a menina, eu e a caixa entramos naquela morada tão simples, tão pequena em dimensão, mas gigantesca em acolhimento.

Foi com um abraço que a menina fora recepcionada e foi com uma lágrima que era respondeu a tanta gentileza. O velho sábio, não precisava ser sábio pra entender que o motivo do rosto da menina chover era a caixa. Ele a fez sentar, lhe trouxe uma caneca com chá quente, canela era o seu preferido e ela esboçou um sorriso e lhe agradeceu pelo cuidado. O velho a observou tomar seu chá por algum tempo, e antes que perguntasse sobre a caixinha ela começou a lhe mostrar sua coleção de indagações, e eu assistia tudo, mudo.

O velho que já tinha visto de tudo na vida, de repente parecia assustado. Como poderia tão pequena existência carregar tantas interrogações? Como poderia a menina acreditar que seus sentimentos eram aberrações? Como? Como pudera estar tão sem norte a ponto de seu laço não conseguir lhe recobrar suas verdades, seu eu, sua sanidade?

Naquele momento em que as palavras lhe fugiram, o velho novamente abraçou a menina, entendendo que não havia ainda o que ser dito. Depois, quando os ânimos se acalmaram, falou a ela sobre como às vezes às pessoas têm que abrir mão delas mesmas em algum momento da vida e sobre como isso poderia ser dolorido. Falou pra menina sobre como é importante refletir sobre as coisas, mas que pensamentos tortos podem nos arruinar a alma. Falou sobre a diferença entre vidro e cristal, mas não hesitou em dizer à menina que ambos podem cortar. Contou a ela sobre os tesouros que ela já encontrou e que vai encontrar na vida, e sobre como os reconhecer e preservá-los.

Por fim, o ultimo comentário do velho para a menina.
- Não colecione dúvidas e interrogações, não se prenda ao que não é concreto ao que te afasta de ti. Não doa a dor que não é tua, e não acredite que eres o ultimo dos seres humanos, pois não és.

Pegou a caixinha das mãos da menina, e a guardou consigo. Explicou que a menina não precisava daquilo, que aquelas indagações estavam se transformando em tumores na alma. Era curioso pensar nisso, mas eu percebi que já estava anoitecendo. Completaram-se horas que nós estávamos lá dentro, foi quando a menina decidiu ir embora. Despediu-se do velho, que por sua vez não deixou que ela levasse a caixinha embora, a menina também achou mais prudente deixa-la com ele.

Ela voltou por entre o parque, não desviou dessa vez das arvores, passou por entre as mesmas esquinas e dobrou as mesmas ruas ate chega em casa. Quando entrou no seu quarto, e viu sua imagem refletida no espelho, e me viu junto a ela, já não conseguiu mais enxergar o sentido de usar um laço verde como lembrete. Estava na hora de crescer, estava na hora de realmente aprender quem se é descartando qualquer necessidade de simbolismos. O Curioso era que dali, ainda nos cabelos da menina eu observava o seu olhar, e via nele um brilho que me fazia sentir desnecessário. E o que eu temia aconteceu: Não havia mais espaço na vida da menina para mim, não havia mais espaço para laços.

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